Vergílio Ferreira
Vergílio António Ferreira (n. Melo, Gouveia, 28 de Janeiro de 1916, m. Lisboa, 1 de Março de 1996), romancista e ensaísta português, estudou no Seminário do Fundão, entre 1926 e 1932, vindo a abandoná-lo para completar os estudos liceais. Licenciou-se em Filologia Clássica na Universidade de Coimbra onde, durante a segunda metade dos anos trinta, tomaria contacto com um neo-realismo emergente, formado, entre outras influências, na leitura de romancistas brasileiros. Foi professor do ensino liceal, em Évora (1945-1958) e em Lisboa (desde 1959 e até à aposentação).
Notabilizou-se no domínio da prosa ficcional, sendo um dos maiores romancistas portugueses deste século. O seu primeiro ciclo romanesco (O Caminho Fica Longe, Onde Tudo Foi Morrendo, Vagão J) só pode ser compreendido à luz de uma estética narrativa neo-realista, face à qual, para o autor, «a utilidade de uma obra de arte se regula pela sua afinidade com a época em que surge» (FERREIRA, Vergílio, cit. in Textos Teóricos do Neo-Realismo Português (org. introd. e notas de Carlos Reis), ed. Comunicação, Lisboa, 1981, p. 112). A partir dos anos 60, o seu ensaísmo revela o contacto com o existencialismo, reflexão filosófica que marcará uma conversão profunda numa novelística cujo ponto de viragem se anunciara com a publicação de Aparição (Prémio Camilo Castelo Branco) e que atingirá plena maturidade em Alegria Breve. As sombras tutelares de Sartre, Camus ou Malraux, enquanto angustiada indagação existencialista sobre a condição humana, determinam, então, uma escrita que, tendo como precursor um mestre como Raul Brandão, assume até ao limite da vertigem, e raiando o patético, a dissolução do género romanesco, levando para primeiro plano a voz de um ser pensante, um ininterrupto monólogo interior ampliado espiralmente a partir de um eixo temático onde predomina a inquietação metafísica e existencial.
Com pontos de contacto, ao nível da construção narrativa, com outros autores contemporâneos, como Faure da Rosa ou Tomaz de Figueiredo, nomeadamente, ao nível da submersão de personagens, tempo e espaços na palavra musical de um discurso subjectivo, a palavra-existência de um eu dominado pela mais profunda angústia, o universo romanesco de Vergílio Ferreira adquire, segundo Eduardo Lourenço, em O Canto do Signo, Lisboa, Presença, 1994, um carácter fantasmático, mediante o qual o «personagem único e central que assume o discurso significante do romance» se lança paroxisticamente na «quête [...] de si mesmo» e de um sentido que colmate a ausência de Deus e de verdades salvadoras, que o preserve do nada. Deste modo, o romancista e o ensaísta (Do Mundo Original, Espaço do Invisível, Invocação ao Meu Corpo, Arte Tempo, Pensar) confundem-se no mesmo objectivo: «tornar-nos sensível o absurdo da condição humana sem referência nem destino transcendente e, simultaneamente, extenuar, vencer por dentro, esse mesmo sentimento do absurdo, descobrir nele, até, uma razão suplementar de exaltação da mesma condição humana.»
Romances como, Para Sempre (prémio PEN Clube, Associação Internacional de Críticos Literários e Município de Lisboa) ou Até ao Fim (prémio APE) representam o culminar de um discurso narrativo e lírico, construído musicalmente em torno de variações temáticas organizadas «segundo essa lei de regresso do mesmo mas em constante aprofundamento daquilo que inicialmente intuído o romancista perseguira sem desfalecimento: experimentar-se, viver-se cada vez com maior radicalidade, como eu absoluto e nu diante de um mundo reduzido à sua primigénia aparição cósmica.» (Eduardo Lourenço). Traduzida em várias línguas, a sua obra inclui, além da novelística e do ensaio, os nove volumes de diário Conta-Corrente (1980-1994).Temas como a morte, o mistério, o amor, o sentido do universo, o vazio de valores, a arte, são recorrentes na sua produção literária. Recebeu o Prémio Camões em 1992.
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